quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Cuidando da passagem: a transição do 9º ano para o Ensino Médio

Por Pedro Mancini - Tutor do Ensino Médio e Professor de Tutoria do 9º ano do Ensino Fundamental


Na vida juvenil de um estudante brasileiro, cheia de importantes períodos de transição, a passagem do 9º ano para o Ensino Médio é, sem dúvida, um dos mais marcantes. Nessa fase, que coincide com a consolidação da adolescência, o aluno lida com grandes expectativas sobre o que virá em seu novo momento escolar: novas disciplinas, novo nível de cobranças e exigências, e um afloramento da autonomia (e da demanda por responsabilidade) e das relações sociais. No momento presente, em que a própria natureza do Ensino Médio é debatida pelo governo, e em que se constroem expectativas de grandes alterações nesse ciclo de ensino, ainda mais dúvidas e incertezas podem surgir. É comum, e perfeitamente normal, que o jovem se sinta aflito com essas expectativas, apresentando maiores inseguranças e variações de humor – afinal, são muitas mudanças para lidar em muito pouco tempo!

Nós mesmos da equipe do colégio temos nos debruçado sobre as mudanças propostas pelo governo para o Ensino Médio, participando de cursos, seminários e debatendo internamente o impacto destas medidas. Além das adequações de conteúdos e da Base Curricular Nacional, as mudanças propõem maior adequação às características, desejos e expectativas de cada escola e dos jovens. 


Nesse sentido, o papel da escola é fundamental para determinar o grau de dificuldade dessa transição. Dependendo como atue, a instituição pode aumentar ou reduzir as angústias dos jovens, tornando o processo mais ou menos traumático. Pensando nisso, nós adotamos uma estratégia especial para lidar com suas aflições: preparamos um trabalho de tutoria específico com os alunos do 9º ano, de modo a prepará-los – objetiva e subjetivamente – aos desafios que enfrentarão no Ensino Médio.

Com a flexibilização pretendida, o papel da orientação ou da tutoria toma, assim, maior importância, ajudando os adolescentes a traçar suas trajetórias e fazer suas escolhas pessoais de formação, estudo e interesses. 

Sendo tutor do Ensino Médio, assim como professor de duas disciplinas desse ciclo, fui escolhido para conduzir essa transição. No segundo semestre de 2016, encontrei-me com o grupo uma vez por semana para esclarecer dúvidas a respeito da mudança e seus significados, apresentar questões específicas sobre o novo momento escolar e mediar momentos de sociabilidade interclasses, facilitando a interação com alunos que já estão se formando – e que podem, com seus próprios pontos de vista juvenis, tranquilizar as mentes dos jovens alunos do final do Ensino Fundamental quanto à próxima fase de suas vidas.

Antes de iniciar, pedi aos alunos da 3ª série do Ensino Médio que redigissem cartas de cunho informativo, mas com deliciosos temperos afetivos, contando sobre sua própria experiência com esse ciclo: os problemas que enfrentaram, suas angústias, seus prazeres e, enfim, suas transformações – especialmente no que tange à aquisição de responsabilidades e o estabelecimento de metas e objetivos de vida mais claros. Abaixo, apresentamos duas dessas correspondências, devidamente entregues e discutidas junto aos alunos do 9º ano.

Tendo provocado os corações de todos com depoimentos dos alunos mais velhos da escola, ficou ao tutor a responsabilidade de transmitir maiores detalhes sobre a nova etapa: o que deles será esperado pela escola e pelo corpo de professores, como se organizam as novas disciplinas, em que consiste o próprio trabalho de tutoria do Ensino Médio, entre outros. 

As aulas de tutoria do 2º semestre não se limitaram, contudo, a considerações propriamente escolares: falamos sobre a importância da tolerância e do diálogo no dia a dia, com debates a partir de vídeos (como o singelo Empatia e Simpatia e um comovente depoimento da escritora nigeriana Chimamanda Adichie ao TED sobre os perigos de uma “história única”), discutimos sobre ansiedade na adolescência e organizamos intervalos musicais e de talentos variados, de modo a estimular-lhes a capacidade de organização autônoma e trabalho em grupo. 

Por fim, garantimos produtivas aulas sobre respeito à diversidade sexual e sobre a importância do combate ao machismo em uma nova parceria com alunos da 3ª série: os mesmos, seguindo orientações divulgadas por uma campanha das Nações Unidas, apresentaram diferenças importantes entre os conceitos de sexo, gênero e sexualidade, debateram a relação entre gênero e poder e auxiliaram diretamente os alunos do 9º ano na elaboração de vídeos elucidativos sobre a relevância do combate ao machismo (ainda em processo de edição e acabamento).

Daremos continuidade no próximo ano, com apoio aos alunos no dia a dia e o desejo de propiciar novos debates e discussões mais complexas buscando torná-los pessoas conscientes, críticas e éticas. 

Foi um semestre, sem dúvida alguma, bastante rico para nossos alunos em final de ciclo: enquanto os jovens da 3ª série do Ensino Médio, já bastante preocupados com vestibulares e a chegada da vida adulta, deleitaram-se com a responsabilidade de informar e “passar o bastão” aos seus colegas do 9º ano do Ensino Fundamental, estes últimos tiveram a oportunidade de olhar o “monstro” do Ensino Médio (com suas 14 “cabeças” representadas pelas diferentes disciplinas) de perto, sob uma nova perspectiva, de modo a desconstruí-lo enquanto “assombração” a ser temida. 

Apesar das inevitáveis tensões inerentes a toda transição, no fundo aprendemos que se trata apenas disso: mais uma transição, com seus sabores e dissabores, como tantas outras que virão, sem tardar a partir – deixando marcas indeléveis nos corações.