quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pontos de vista de duas professoras de História

Sobre o trabalho com projetos:

Brasília, o coletivo, a Arte e a construção de um país

Professora Lia Granado – Ensino Fundamental 1

Antes de falar sobre Brasília, começo contando a riqueza que é trabalhar em um projeto coletivo. Um projeto em sala de aula já é uma imensa oportunidade de se construir e relacionar conhecimentos de maneira significativa e prazerosa. Imagine um projeto em que todos os alunos, funcionários e professores da escola estejam envolvidos?  Essa é a ideia da escola ao propor este projeto, e que ideia! 

Nós, professores, começamos a estudar sobre a Região Centro-Oeste ainda no ano passado, conversamos muito, refletimos e trocamos experiências. Fomos aos poucos construindo coletivamente. Com os alunos começamos no segundo trimestre e estamos a todo vapor. É muito gostoso poder entrar nas outras classes e descobrir o que eles estão estudando, ouvir dos colegas novas informações, diferentes pontos de vista e o mais importante, construir algo coletivamente.


Aterrissando em Brasília agora... Este foi um dos temas que selecionamos para o 5º. Ano. Tema um tanto espinhoso, se considerarmos que não tem como discutir apenas a arquitetura modernista de Niemeyer ou os painéis de Athos Bulcão ou ainda o urbanismo de Lucio Costa. Claro que em todas as aulas em que Brasília era o tema, vinha junto a vontade de falar sobre corrupção, impeachment, Temer, Dilma... Foi um grande desafio conversar sobre assuntos tão complexos. Procuramos garantir um espaço de discussão saudável, em que todos falassem e fossem ouvidos de maneira respeitosa. Aos poucos fomos relacionando este espaço de discussão com a nossa sociedade e com o conceito de democracia. Ao final, descobrimos que dá muito trabalho viver em uma democracia e que o respeito é a única maneira de convivermos bem dentro dela. Deixo o link do texto do professor do Ensino Médio Pedro Mancini sobre a discussão da política em sala de aula 
http://hugo-sarmento.blogspot.com.br/2016/06/precisamos-falar-sobre-politica.html, se você quiser saber mais sobre como conduzimos este intrigante e atual tema.

Em nossas aulas assistimos a trechos de documentários e fomos discutindo sobre aquele momento histórico, a escolha da localização da nova capital, sua construção e o seu significado em termos políticos. Alguns alunos já haviam visitado Brasília e trouxeram ricas contribuições e observações sobre a paisagem e o local em que a cidade foi erguida.

Apreciamos o plano de Lucio Costa e os maravilhosos edifícios de Oscar Niemeyer. Como não se encantar com as construções deste importante arquiteto, suas curvas, suas linhas modernas e ao mesmo tempo a sua simplicidade. O mais interessante foi que os alunos começaram a identificar outros edifícios projetados por Niemeyer: “Acho que o Museu Afro, foi ele que fez. Fomos lá no ano passado”, “Já sei, o Memorial de alguma coisa é muito parecido também!”, “Tem um no Rio! É um museu!”.  Finalizamos discutindo sobre o que faz de um Niemeyer, um Niemeyer!


O nosso foco em termos artísticos foi nos painéis criados por Athos Bulcão que estão espalhados por Brasília. Depois de estudarmos sobre este artista, desafiamos o grupo a criar seus próprios painéis inspirados em suas obras. 

No início o grupo achou que seria bem fácil criar o painel inspirado nos azulejos de Bulcão e que dependeria única e exclusivamente dos seus conhecimentos artísticos. Qual não foi o espanto de todos quando se pegaram fazendo cálculos para conseguir criar exatamente a sensação de movimento que queriam expressar em seu painel. “Matemática está em tudo”, conclui um aluno.

Além do exercício matemático complexo, da criação artística, os alunos tinham outro desafio enorme: o trabalho em grupo. Como escolher quais seriam os motivos a serem reproduzidos? Como deixar de lado o meu desenho em prol do painel coletivo? Como iriam fazer a composição? Como argumentar e comunicar ao outro o que eu estava pensando? Aos poucos foram dialogando, cedendo, defendendo suas opiniões e os painéis foram sendo criados. Todo este processo veio de encontro ao que estávamos discutindo sobre Brasília e o que é participar da construção democrática de um país. Tarefa muitas vezes árdua!

Este foi um pedacinho do nosso projeto Viagem ao Centro do Brasil. Você poderá apreciar um pouco mais dele na nossa Exposição de Artes. 

Começamos falando da riqueza de se trabalhar em um projeto envolvendo toda a escola e terminamos convidando você a ler como este mesmo tema foi trabalhado com o Fundamental II com outro foco, outra abordagem e outro olhar!


O estudo de Brasília e a prática da empatia

Professora Debora Querido – Ens. Fundamental 2 e Ens. Médio

Em tempos de intolerância e radicalismos vistos em episódios cotidianos, tornam-se cada vez mais urgentes as práticas de empatia. Longe de serem ações ligadas apenas ao altruísmo, o desenvolvimento da empatia está relacionado à cidadania e à convivência em sociedade. A palavra empatia tem a sua origem na língua grega: empatheia. Esse termo representa o sentimento de experimentar a situação e circunstâncias vivenciadas por outra pessoa. Ou, tão simplesmente, colocar-se no lugar do outro. Sugiro aqui a leitura de mais um texto do professor Pedro sobre o tema:

No ensino escolar, quando essa experiência de deslocamento de uma situação ocorre, a sala de aula se torna um local intrigante, empolgante e cheio de comentários e questionamentos. Como professora de História, é satisfatório ver os educandos se revoltarem com situações de exploração na Antiguidade, conspirarem como parte da tripulação em uma embarcação do século XV, ou ainda se indignarem com uma ação colonial. Fatos como estes mostram que o ensino pode – e deve – fazer uso da empatia, não apenas como meio de criatividade mas, também, como instigador social. 

Com esta consciência, projetos interdisciplinares sobre uma região ou um povo ganham uma importância ainda maior. Este é o caso do projeto deste ano, Viagem ao Centro do Brasil. Ao se propor a conhecer e estudar os espaços, as histórias e as culturas da Região Centro Oeste, o colégio se coloca em uma posição de empatia com uma outra região do país e se abre para uma melhor compreensão da identidade brasileira, sob outros pontos de vista.

Um dos aspectos aprofundados nos estudos é o dos trabalhadores, construtores e ocupantes desde o início de Brasília: os candangos. O olhar sobre os candangos segue correntes sociológicas e historiográficas que defendem um olhar a indivíduos anônimos, esquecidos ou não citados na história, mas responsáveis por mudanças em um entorno e por isso colaboram para uma compreensão mais ampla de determinado contexto. Neste sentindo, o estudo da construção e ocupação de Brasília promove, além de uma ampliação do conhecimento, um sentimento de empatia e censo crítico a um espaço. 

Brasília foi fruto de um projeto urbanístico, entregue em um concurso promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek, em 1957. Esse presidente, eleito defendendo uma modernização nacional dirigida pelo Estado, comprometeu-se a fazer o Brasil crescer 50 anos em 5. E, para este crescimento, o projeto de urbanização era um dos protagonistas do seu governo.

Em aulas do 9º ano foram discutidas, a partir do governo de JK, as configurações atuais das cidades. E os alunos prontamente, ao pensar nas condições atuais das suas cidades, relacionaram a grande dependência de automóveis ao projeto de industrialização baseado na indústria automotiva do governo de JK. Neste caso, a disciplina História se propôs a não só explicar uma situação presente a partir de uma ação do passado, mas também, ao analisar o samba Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa, pensar nas condições dos milhares de pessoas desabrigadas que perderam suas casas com a construção de edifícios e rodovias. 

Cientes das desigualdades sociais provenientes do processo de urbanização brasileiro, os alunos possuíam mais referências para pensar o caso específico dos candangos. 

A palavra candango era usada com um sentido depreciativo. Segundo autoridades linguísticas e historiográficas, o termo vem da palavra “candongo”, da língua quimbundo ou quilombo, dos bantos do Sudoeste de Angola, e era usado para se referirem aos colonizadores portugueses. Já no Brasil, com os escravos angolanos a palavra foi usada para se referir as pessoas vindas do interior, mais especificamente os trabalhadores itinerantes pobres. Este foi o sentido usado para descrever os primeiros trabalhadores que ali chegaram. Mas, posteriormente, foram inclusos no termo os negros e mulheres que foram ocupando e transformando o plano piloto para além de um desenho arquitetônico.

O reconhecimento aos candangos foi feito pelo poder público antes mesmo da inauguração. A aquisição da estátua de Bruno Giorgi, exposta na Bienal de Artes de 1957 e escolhida pela Novacap para ser colocada na Praça dos Três Poderes teve, em pouco tempo, seu nome alterado de “Os Guerreiros” para “Os Candangos”. Na ocasião da inauguração, os candangos também comemoraram, junto com as autoridades públicas, a realização de um dos maiores e mais rápidos empreendimentos brasileiros. Entretanto, após seu encerramento, os candangos não tiveram espaço na obra que realizaram. E já que se recusaram a ir embora, foram realocados na periferia do plano piloto, nas cidades satélites.

A cidade que fora projetada por Lúcio Costa para receber 500 a 700 mil pessoas, em 50 anos abrigou mais de 3 milhões de habitantes. Pode-se concordar com arquitetos e historiadores que afirmam ser Brasília vítima do seu próprio sucesso. A cidade atraiu muitas famílias devido aos serviços oferecidos, seja com o funcionalismo público ou pelas obras que até a década de 80 ocupavam parte da paisagem urbana. Mas não conseguiu incluir todas elas de maneira democrática, oferecendo qualidade de transporte, de moradia, de segurança e saúde a todos. Não se pode, porém, negar o caráter inovador e a magnitude arquitetônica da obra. O tombamento pela UNESCO, em 1987, consagrou a cidade como patrimônio da humanidade.

Os alunos puderam examinar fotos antigas trazidas pela professora Tania que serviram como exemplos de documentação histórica e fontes de pesquisas.


Partindo desses fatos, não se pretende julgar a construção de Brasília. Pelo contrário, o objetivo é oferecer argumentos positivos e negativos para que cada um tire, a partir da sua própria subjetividade, uma conclusão. 

Dessa maneira, uma ação educativa crítica não age como doutrinação, mas, pelo contrário, através da empatia faz com que seja possível se colocar no lugar da maior parte de personagens de um fato. E, a partir disso, possibilitar a identificação com o lugar que mais os comova e desperte o desejo de mudança e colaboração.